O blog "Uma estante e um instante" destina-se a publicar observações não técnicas sobre livros lidos pela criadora da página. Tratam-se de resenhas que destinam-se, apenas e tão somente, a falar sobre obras de um modo geral, não adotando um assunto específico e nem buscando um público-alvo dentro do mundo dos livros.
terça-feira, 20 de outubro de 2020
terça-feira, 6 de outubro de 2020
"O Cavaleiro Inexistente"
Hoje vou falar aqui sobre essa obra que é puro deleite para a
Psicologia. Mas não vou fazer aqui uma análise técnica, psicológica, trazendo
elementos que expliquem a essência dos personagens ou da obra escrita por Italo
Calvino ou mesmo a explicação que possa estar por detrás deles. Farei uma
análise da história como ela é, deixando aqui um convite para que a leiam, pois
irão descobrir nela uma narrativa bizarra e deliciosa. E o mais
importante: atemporal, como todo bom clássico!
"O Cavaleiro Inexistente" narra as aventuras e
desventuras de Agilulfo Emo Bertrandino dos Guildiverni e dos Altri de
Corbentraz e Sura, o cavaleiro medieval dos tempos e das batalhas lutadas por
Carlos Magno. A peculiaridade nesta obra se inicia por um detalhe que
irá propor as reflexões mais significativas a respeito da sua história: Agilulfo
é um cavaleiro composto apenas de sua armadura, branca, limpa e reluzente. Em
seu interior, nada é. Nada há. Não existe um cavaleiro que preencha o conteúdo
da sua armadura, que é um grandioso destaque da corte do imperador do sacro
Império Romano.
O cavaleiro Agilulfo é um dos personagens centrais dessa obra. Poderia
dizer que é seu protagonista, mas o livro é escrito de tal maneira que não há
como atribuir importância a Agilulfo e ao que ele representa sem atribuir a
mesma importância aos personagens que o cercam, em especial: Gurdulu,
Bradamente, a viúva Priscila e Rambaldo. Os personagens aqui fazem da narrativa
uma experiência única de reflexão acerca do SER, do ESTAR e
do NÃO SER de cada um deles.
Agilulfo é um personagem que busca, através dos seus feitos e da sua
reputação, preencher o seu vazio e assegurar a sua existência. E, justamente
por não existir além da sua armadura, revela-se um "ser" antipático e
até mesmo incapaz de demonstrar sentimento ou afetividade.
Toda a sua conduta na cavaleria de Carlos Magno é pautada na razão.
Agilulfo não age e não pensa de modo a comprometer a sua racionalidade - a
única coisa que possui e que o faz existir. Sua linguagem é puramente
objetiva, ou seja, desprovida de opinião, sentimento, substância e significado.
O lugar que ocupa no tempo e no espaço é meramente simbólico. A sua
armadura existe apenas para que ele possa transitar pelo meio em que habita.
E o cerne dessa história narrada por uma freira confinada a um convento,
cuja penitência é escrevê-la, reside na busca de Agilulfo pelo resgate de sua
reputação, que é tudo aquilo que define a sua existência e importância na
cavalaria e até mesmo entre o meio social. E sua reputação se revela ameaçada
após uma informação dentro da cavalaria questionar todo o mérito recebido por
Agilulfo por sua atuação nas batalhas lideradas pelo imperador. Isso significa
que, se a personagem a perdê-la, toda a sua história restará anulada, assim
como a existência que sobrevive apenas dela. Ele sabe existir apenas enquanto
subordinado, enquanto puder servir aos interesses alheios e neste caso,
portanto, aos interesses da cavalaria cristã de Carlos Magno.
Agilulfo é cercado de personagens que são o seu oposto. Vivem e lutam as
mesmas batalhas, mas com paixão, significado e propósito, diferentemente do
protagonista, que se limita a agir racionalmente, sem demonstrar qualquer traço
de amor, empatia ou emoção pelo próximo. Em alguns capítulos da história, é
possível até mesmo identificar algum traço de humanidade no cavaleiro inexistente
em razão da sua interação com determinados personagens. Contudo, talvez isso se
atribua à própria necessidade do leitor de lhe conferir tal aspecto para
torná-lo ainda mais real e negar a sua inexistência além da sua armadura.
Fica técnica:
Livro: O Cavaleiro Inexistente
Editora: Companhia do Bolso
Ano de lançamento: 1959

